03 maio 2024
Texto tem mais de 300 páginas; expectativa de Lira é aprovar novas regras antes do recesso
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, entregou nessa quarta-feira (24) aos presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o primeiro projeto de lei complementar para regulamentação da reforma tributária do consumo. O texto tem 360 páginas e 499 artigos. A estimativa da Fazenda para a alíquota média dos novos tributos – que será fixada posteriormente – é de 26,5%, podendo chegar a 27,3%. A expectativa de Lira é aprovar as novas regras até o início do recesso parlamentar, que começa em 17 de julho.
O Valor teve acesso à íntegra da proposta, que, até a noite de quarta-feira, não havia sido oficialmente protocolada no sistema do Congresso. Entre os pontos mais aguardados por tributaristas e setores empresariais, estavam a definição da lista de 15 alimentos da cesta básica que terão alíquota zero, o rol de seis tipos de bens sobre os quais incidirão o novo Imposto Seletivo e as regras sobre categorias incluídas em regimes específicos.
O texto segue as diretrizes da proposta de emenda à Constituição (PEC) aprovada pelo Congresso no ano passado, que unifica ICMS, PIS, Cofins e ISS, que serão transformados na CBS (federal) e IBS (dos Estados e municípios), tributos que terão legislação única e federal, sem cobrança em cascata e arrecadação no destino. Além disso, prevê uma taxação diferenciada para produtos produzidos fora da Zona Franca de Manaus e que concorram com aqueles fabricados na região.
“O país aguarda 40 anos por uma solução do mais emaranhado dos problemas brasileiros, que é o nosso caótico sistema tributário, que está ainda, infelizmente, entre os dez piores do mundo e estará entre os dez melhores do mundo a partir da conformação total [da reforma]”, disse Haddad, após entregar o texto aos parlamentares.
A proposta de regulamentação não fixa as alíquotas do novo sistema. O secretário extraordinário para a reforma tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, afirmou que as estimativas serão semelhantes às divulgadas pela pasta antes do envio do projeto.
“A estimativa é muito próxima do que tinha antes. Com o desenho, de 25,7% a 27,3%, com uma média de 26,5%. A referência é a média, mas a expectativa é que seja ainda menor”, afirmou Appy. No caso do Imposto Seletivo, não há ainda informação e a alíquota dependerá de futura lei ordinária.
O detalhamento sobre as regras para produtos e setores tributados com alíquota diferenciada era um dos pontos mais aguardados da regulamentação. O projeto prevê, por exemplo, 15 itens da cesta básica. Estão nessa lista tipos de manteiga, margarina, leite, arroz e óleo de soja. Os produtos foram especificados de acordo com a Nomenclatura Comum do Mercosul – Sistema Harmonizado (NCM/SH).
Outros três também têm alíquota zerada, mas estão localizados em outro anexo no texto enviado ao Congresso: produtos hortícolas, frutas e ovos. Assim, os alimentos destinados à alimentação humana submetidos à alíquota zero seriam 18.
De acordo com a proposta, um dos princípios norteadores para a seleção dos alimentos a serem beneficiados por alíquotas favorecidas “foi a priorização dos alimentos in natura ou minimamente processados e dos ingredientes culinários, seguindo-se as recomendações de alimentação saudável e nutricionalmente adequada do Guia Alimentar para a População Brasileira, do Ministério da Saúde”.
Outro princípio norteador, aponta o texto, “foi a priorização de alimentos majoritariamente consumidos pelos mais pobres, com o propósito de assegurar que o máximo possível do benefício tributário seja apropriado pelas famílias de baixa renda”.
O texto também fixa 14 alimentos que terão alíquotas reduzidas em 60%. O rol de itens inclui carnes, peixes, mate, mel natural e massas alimentícias.
Em outra frente, o projeto detalha as regras para as categorias que serão sujeitas a regimes específicos, com redução de alíquotas em 30%. Segundo o texto, serão 18 categorias sob esse regime, incluindo advogados, administradores, contabilistas e economistas. Os profissionais precisarão estar submetidos “à fiscalização por conselho profissional”, segundo a proposta.
Além disso, 27 serviços de saúde terão redução de 60% na cobrança dos novos impostos. A lista inclui serviços psiquiátricos, odontológicos, de fisioterapia e laboratoriais.
As regras para o novo Imposto Seletivo também devem ser alvo de disputa no processo de regulamentação, com segmentos divergindo sobre que áreas deveriam ter a tributação extra, voltada a desestimular o consumo de bens considerados “prejudiciais à saúde e ao meio ambiente”. Segundo a proposta do governo, entrarão nessa lista: veículos; embarcações e aeronaves; produtos fumígenos; bebidas alcoólicas; bebidas açucaradas; e bens minerais extraídos (ferro, petróleo e gás natural).
De acordo com o texto, o IS incidirá uma só vez sobre o bem, sendo vedado qualquer tipo de aproveitamento de crédito do imposto com operações anteriores ou geração de créditos para operações posteriores. O projeto de lei também diz que compete à Receita Federal a administração e a fiscalização do novo tributo.
Mais uma inovação da PEC, o chamado “cashback” também é detalhado pela proposta. O sistema prevê a devolução de parte dos tributos pagos para as pessoas físicas integrantes de famílias de baixa renda. Conforme o texto obtido pelo Valor, as devoluções dos tributos serão destinadas às famílias com renda per capita de até meio salário-mínimo, desde que estejam incluídas no Cadastro Único (CadÚnico) do governo federal.
No projeto de lei, o governo propõe como regra geral a devolução de 20% da CBS e do IBS para as famílias pobres. No caso do gás de cozinha, haverá 100% de devolução da CBS e 20% do IBS. Para energia elétrica, água e esgoto, é 50% da CBS e 20% do IBS. Os únicos produtos excetuados são aqueles sujeitos ao Imposto Seletivo, como cigarros e bebidas alcoólicas, que não terão nenhuma devolução.
A proposta também prevê a possibilidade de criação de programas de “incentivo à cidadania fiscal”, com o objetivo de incentivar o consumidor final a solicitar a emissão de nota fiscal. A iniciativa já existe em diversos Estados, a exemplo da “nota fiscal paulista”, e visa diminuir a evasão fiscal – o que pode reduzir a alíquota geral. O comitê gestor do IBS e a Receita Federal poderão utilizar até 0,05% do valor da arrecadação com esses tributos para financiar os programas. A proposta não define como serão usados esses recursos – se com devolução direta para o contribuinte, sorteios ou mesmo campanhas publicitárias.
A partir da entrega da proposta, governo e Congresso devem correr contra o tempo para aprovar a regulamentação até o fim do ano. Antes de receber o texto, Arthur Lira indicou que tentará aprovar a regulamentação na Câmara até o início do recesso parlamentar, em 17 de julho. “Vamos estabelecer calendário de trás para frente. Se você não marca, tudo fica para semana que vem e as coisas vão se estendendo”, disse o parlamentar. Depois do recesso, a Casa deve ficar praticamente parada por causa das eleições.
O projeto entregue ontem é o primeiro de um total de três textos para regulamentar a PEC aprovada no ano passado. A expectativa é que outro projeto de lei complementar seja enviado após o feriado para tratar do comitê gestor dos novos tributos. Há ainda a necessidade de projeto de lei ordinária para tratar do fundo de compensação aos Estados e as empresas.
Lira afirmou que, se o governo entregasse a reforma nessa quarta, reuniria os líderes dos partidos para decidir se escalaria dois relatores diretamente no plenário ou se criaria dois “pequenos” grupos de trabalho, com cinco ou seis deputados cada. Segundo ele, a escolha de um único relator, sem a formação de um GT, pode acabar atrapalhando porque tem “muita gente com competência e que quer participar”. Ele não indicou quem serão os possíveis nomes.
Reportagem acima publicada pelo Valor Econômico, em 25/04/2024.
Próximos passos
Está prevista a entrega do segundo projeto sobre o tema na primeira quinzena de maio, que tratará da atuação do Comitê Gestor do IBS e da distribuição das receitas do IBS entre os entes federativos.
Por fim, vale ressaltar que o primeiro projeto – enviado no dia 24/04/2024 – começou a tramitar na Câmara dos Deputados e, após sua aprovação, seguirá para o Senado Federal.
A equipe tributária do Crivelari & Padoveze permanece à disposição para demais esclarecimentos.
CRIVELARI & PADOVEZE ADVOCACIA EMPRESARIAL
THÁBATA MARCELLA RODRIGUES PILON
OAB/SP 462.010
NÚCLEO JURÍDICO TRIBUTÁRIO