06 set 2023
COM 700 MIL CREDORES, 123 MILHAS TEM RECUPERAÇÃO JUDICIAL DEFERIDA: juíza determinou a suspensão de todas as ações e execuções contra a sociedade.
A 123 Milhas teve pedido de recuperação judicial deferido nesta quinta-feira, 31. A causa chama atenção por ter valor de mais de R$ 2 bilhões e mais de 700 mil credores, sendo a grande maioria consumidores. Decisão é da juíza de Direito Claudia Helena Batista, da 1ª vara Empresarial de Belo Horizonte/MG.
Ao deferir o pedido, a julgadora ressaltou que embora não seja a primeira crise na área de transporte aéreo e turismo, e nem a maior recuperação do país em volume de credores ou valores, trata-se de uma empresa do e-commerce com trajetória de crescimento forte e rápida em pouco tempo.
A inicial menciona uma média de cinco milhões de clientes por ano e movimentação financeira de mais de R$ 5 bilhões em 2022. Para a juíza, com o volume de credores, ações e desequilíbrio que a quebra de confiança causou é preciso racionalizar as ações, uma vez que a pulverização e a individualização podem não corresponder a satisfação do crédito e o sentimento de frustração e injustiça.
“Chama a atenção no presente caso a relação de credores que num cálculo inicial e aproximado ultrapassa 700 mil pessoas. A grande maioria consumidores. O ordenamento jurídico brasileiro confere especial atenção ao direito do consumidor e dentro do sistema reserva normas de ordem pública que podem e devem conversar com o sistema recuperacional.” Ao concluir, a magistrada destacou que as empresas recuperandas merecem ter preservado o exercício de suas atividades empresariais, a fim de que possam continuar a cumprir a função social que lhes incumbe.
“Tem a seu favor o preenchimento dos critérios objetivos previstos na legislação e a presunção da boa-fé de que seu objetivo é equacionar os débitos e solver seus compromissos inadimplidos da melhor forma possível. Ao mesmo tempo, o Poder Judiciário utilizará dos meios necessários para promover a transparência e fazer Justiça a todos os consumidores e credores atingidos pela crise da empresa.” Assim, a magistrada deferiu o pedido de processamento da recuperação judicial e ordenou a suspensão, por 180 dias, de todas as ações e execuções contra a sociedade devedora.
A 123 Milhas alegou que não conseguiu emitir as passagens devido à quebra de contratos com companhias aéreas parceiras, ao aumento dos preços das passagens após a pandemia de Covid-19 e outros fatores, como mudança de precificação e de sistemas de segurança das companhias aéreas. A companhia afirma que o grande número de ações judiciais contra a empresa, de credores individuais e entes públicos, também foi uma das razões para o pedido de recuperação judicial.
Segundo o especialista André Santa Cruz, há uma enorme quantidade de credores da 123 Milhas que são consumidores, o que pode fazer com que surjam decisões aplicando o que se convencionou chamar de teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica: “mesmo sem prova de abuso ou fraude, juízes podem redirecionar as dívidas contra os sócios da empresa.”
Além disso, o profissional destaca que a maioria dos credores da 123 Milhas, que são os consumidores que compraram passagens e pacotes de viagem, entram na classe dos credores quirografários, que costumam ser os mais penalizados nesses processos de insolvência empresarial, processo: 5194147-26.2023.8.13.0024.
O advogado e professor Marcelo Sacramone, por sua vez, pondera que todos os créditos em face da 123 Milhas serão sujeitos ao plano de recuperação judicial: “Os sócios da 123 não têm, a princípio, suas relações jurídicas afetadas pela recuperação da pessoa jurídica. Logo, por essa regra, as relações jurídicas continuarão a ser reservadas por cada microssistema em face desses, como pelo Direito do Trabalho em relação aos empregados e pelo CDC.” Ele salienta, ainda, que nesses microssistemas, se houver previsão de responsabilidade dos sócios pelo inadimplemento da obrigação contratada, como há no CDC, esses consumidores poderão continuar a demandar normalmente em face dos referidos sócios pela eventual falta de entrega da prestação contratada, caso isso ocorra.
ENTENDA COMO A RECUPERAÇÃO JUDICIAL DA 123 MILHAS AFETA O CONSUMIDOR:
Dias antes, a empresa havia cancelado a emissão de passagens aéreas promocionais que seriam emitidas até o final deste ano. Com isso, milhares de consumidores passaram a acionar a Justiça com o objetivo de conseguir viajar.
Vinícius Lemos, pós-doutorando em Processo Civil na Uerj e professor de Processo Civil na Faro e na Uniron, explica que a recuperação judicial “tem um sentido bem básico, que é concentrar todas as dívidas e ativos nessa ação. Ela paralisa todas as dívidas”. Com a recuperação judicial, os processos contra a empresa poderão tramitar em outros tribunais do país, mas a fase de execução das dívidas, o pagamento aos consumidores, serão todos reunidos e julgados em um único tribunal.
Cinira Melo, doutora em Direito Comercial pela PUC-SP e professora da USCS, do Mackenzie e da Fatec-Sebrae, afirma que, mesmo nos casos em que os consumidores consigam liminares para emissão de passagens, essas passagens não serão emitidas. “Tanto é que no próprio site eles dizem que por uma questão legal eles não podem mais emitir nenhuma passagem, nem sequer voucher, porque eles estariam beneficiando um consumidor em detrimento dos outros”, explica o especialista.
Para Eduardo Foz Mange, sócio do Mange Advogados e presidente da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), “nesse momento adianta muito pouco entrar com as ações individuais”. O especialista recomenda que os consumidores verifiquem a lista de credores, para ver se o seu crédito foi relacionado no processo, e caso não esteja lá, que habilitem o crédito junto com o administrador da recuperação, que ainda será nomeado.
“O melhor para os credores é, realmente, atuar na recuperação judicial e acompanhar o desdobramento do processo”, afirma Mange. Na decisão, Batista afirmou que “especial atenção será concedida aos credores devendo Administração Judicial disponibilizar uma plataforma amigável, específica de fácil acesso para prestação e recebimento de informações, divulgações do calendário da RJ [recuperação judicial] e seu desenvolvimento e entraves”.
Agora, a 123 Milhas tem 60 dias para apresentar uma proposta para pagar seus credores. Melo ressalta que caberá aos credores votar essa proposta em momento posterior. Para ela, o mais importante é “entender que os credores vão ter um papel fundamental” e que eles terão uma proteção na lei. Mange destaca que o instituto da recuperação judicial traz previsibilidade para os credores em situações como esta, já que eles terão tratamento equitativo de acordo com suas categorias.
CRIVELARI & PADOVEZE ADVOCACIA EMPRESARIAL
LILIAN MIRANDA LIMA
OAB/SC 55.842
ADVOGADA NÚCLEO EMPRESARIAL